eu de mim

30 abril 2006

trapézio humano

fica desse saber de tudo ao mesmo tempo, numa calma necessária ao discurso das paredes de um quarto íntimo.
tudo se sabe quando se apronta a experimentar dessa dor de saber que estamos sós dentro de uma montanha de sensações, mas que às vezes para nos arriscar mais, aprendemos do outro a vertigem do corpo.

28 abril 2006

quase flor

é minha quase flor. retrato dela. uma flor escurecida. grávida. flor para poucos. quase nenhum a conhece. quase que ela também se desconhece. flor pálida. num leve rastro chego para ela com minhas tolas intenções. arredia. sabida dela. arrependida da vida. de ter com ela se criado, e ainda ter acreditado na lábia do bom jardineiro. flor de ocasião. flor pra mais querer saber dela. mais girassol. mais do jasmim, e que agora ela sabe o que é. sempre mais dela. sem arrebentar de vez suas raízes. de leve. devagarinho. arranco dela as tais ervas daninhas que insistem em crescer ao longo da pouca sombra que faz. flor mais bela. coisa mais bela que pode existir. num dia em que de repente cansei de olhar pro céu dirigindo meu safado olhar para o chão desavisado, em que quase piso naquilo que tem mais de mim do que qualquer outra forma de vida. minha quase flor é flor pra mais de jardim. pra mais de mim.

23 abril 2006

rupestre

a esta coisa que se escreve e desenha melhor seria se fosse num papel. melhor seria se pudesse ser meu desenho num resto de papel. numa pedra. numa concha. toalha. que se escreve por aqui é colcha de retalhos já descritos por muitos antes de nós. já rascunhado e soletrado mais de mil vezes, mas é para que não nos esqueçamos que de alguma forma existimos num mundo cheio de emoções duplicatas. sim, que são parecidas num enredo mágico-trágico que muito agrada aos transeuntes do passeio. o risco que dou por aqui ao lado faz parte dessa minha mania de sentir por perto os desejos de existir, e me fazer existir por algum lado desse arquipélago. são as minhas noções. meu senso-comum que me agrada. que me engana. os riscos ao lado são riscos de uma parede de algum lugar da minha memória. são os riscos na pedra eletrônica. fragmentos de alguém que se perde por aí.

20 abril 2006

o sem queixo


eis que me existe a minha triste figura pintada eletronicamente para que coubesse num pouco de chapéu. eis esta figura pintada rampeiramente num descompromisso com a forma (que me é de uso) para sinalizar um pouco de sorriso. um pouco de sarcasmo. um pouco de melancolia que ri. eis esta figura que diz qualquer coisa pra embaralhar palavras e sorteá-las ao ventilar das coisas magníficas.

19 abril 2006

assunto do dia


faço do dia
o que o dia se faz comigo
o dia convida
o dia comove
come
o dia me come
e some
transita dentro das mudanças
de agora
de sempre
no que muda, o tempo circula
e volta
volta
o tempo que me volta
c h a m a
progride diante das inconstâncias da vida
e tem vida
a vida me tem
que me tem
que me assusta que me assunta
a sempre e mesma
do outro lado
de outra fase
de um outro dia
o mesmo
o quase dia
do ontem que fui
do que agora me transformo
que me transfiro para cá
quando me vou pra outro dia
o fim do dia
o quase dia.

dez. 2004

18 abril 2006

passarada


Avisto daqui desta janela sem cortinas de pano, andorinhas de vôo quântico. Serelepes em busca da desordem dos horizontes tais, que se desdobram em fortes manobras que... ué?! Foram embora. Foram para outras paragens. Outros fios de pouso mais firme. Mas é que tem também gavião. Manobra arriscada. Vira presa. Seguindo o ciclo da vida. O predador na busca de sua sobrevida. O dia está para isso. Olhar pela janela. Deixar a imaginação aguçar diante das imagens vivas que acontecem diante do olhar atento. Sem fita métrica. Sem querer fazer poesia de pouco caso. É ao acaso que tudo acontece. Sem forçar a barra. Sem cair no uso das coisas fáceis demais. Sempre deve haver a busca. Sempre. Sempre a mesmice dos dias percorridos de sentidos. Sentimentos colados juntos a imagem de tantas colagens possíveis. Buscar enredos para histórias férteis que movimentem a cabeça para o lado. Para o outro lado. Quando é possível vislumbrar um beijo. Um carinho repentino. Sem pedido. Sendo ele, apenas ele, o motivo do querer. Parece que as andorinhas estão voltando ao seu pouso inicial. Um grupo. Quase vinte. Sem contá-las, quase vinte. Um grupo grande. Que voem sem a medida matemática do vôo cronometrado ou milimétrico. Que sejam simples andorinhas numa tarde de domingo.

Fev. 2005

14 abril 2006

observação do dia

"enquanto ela estuda para o concurso, ele dorme pra sonhar e prever o bicho do dia..."

13 abril 2006

menino do cachimbo


o despojo desta representação me faz refletir sobre minha condição de um certo retrato tardio entre minha adolescência e o que me torno agora

11 abril 2006

a belina de humberto

era mais uma vez em que esperava o final de semana acontecer. isso com mais ou menos pouca dúzia de anos. toda uma vida ainda pra se saber. era sábado e domingo a bordo da certa belina branca, anos depois, cinza. corríamos, se é que dá para dizer isso, pela manhã ao encontro do chamado do tal automóvel. às vezes 4, 5, 6, muitas vezes 9 pessoas, entre dois adultos e o resto de crianças metidas a sabedoras do mundo a sua volta, dentro daquele pequeno-enorme espaço. sim, 9 pessoas, pois não esqueçamos que a belina era uma carro que havia um bom espaço no bagageiro. ainda mais pra crianças sabedoras do mundo no seu pequeno corpo de 12, 13 anos de idade. estávamos todos lá. muitas vezes percorríamos o caminho da tijuca para o alto da boa-vista em direção à praia da barra só pra vislumbrar um pouco o tamanho das curvas daquele caminho. a palavra, insisto, é caminho! trilha. andar. numa velocidade em que a belina dificilmente passava dos 60 Km! forçar a máquina nada tinha a ver com o estado de espírito que corria ali dentro. precisávamos de calma. as coisas acontecem bem devagar! eita mundo mais cínico! correr já era preciso, mas não dentro daquele espaço metálico sobre 4 rodas! mas voltemos a falar do caminho. eram subidas, curvas, um tanto de mato ao redor. e um bando de crianças pouco sabedoras do mundo. mas tinha ruth e humberto fazendo os caminhos. mas tinha a destemida belina bebendo combustível pra se fazer um tanto de estradas. éramos nós ali na condição de passageiros iniciantes e provocados pela nossa função natural e essencial de infância. era outro tempo. e bem que podia ser novamente esse tempo agora. as nossas cheganças frente uma enormidade de fundos e escuros que estavam por vir mais adiante. e aquela belina que já foi branca e cinza, é uma metáfora que nos sinaliza um tempo de memória. um tempo de volta. é nossa máquina do tempo. lá já estiveram, além de ruth e humberto, sol, jean, beto, mauro, andréa, marquinhos, andreas, lucas, ana paula, katia, flávia, cacá, gil, leonardo, entre outras criaturas que se faziam entre uma parada e outra daquele veículo. há tempos que essa belina não existe mais. há tempos que fiz uma última viagem já em outro tempo com outra geração a bordo do velho veículo. há tempos que tenho saudades de uma penca de coisas, agora acrescida a mais essa, principalmente pela falta que me faz a belina, daquela bagunça de crianças-adolescentes que se fizeram história de uma hora pra outra, e agora do velho humberto que disse chega pra tudo isso, e foi pra outras paragens quem sabe mais distantes e interessantes das que ele nos ensinou a fazer logo quando tudo era mais lúdico e simples.

08 abril 2006

sabadoindoido


sabe que corre um vento por aqui neste exato instante da leitura. barco que corta as águas do mar. azuis em tons de céu e água oceânica. daqui, telhados. verde de árvores. o esbranquiçamento dos prédios além horizonte. do outro lado da baia. e muitos barcos se divertindo nas águas da baía norte. o cão que dorme aos meus pés. o vento que faz com que a porta bata contra o banco. brisa de bom tom. tem são longuinho olhando pra mim entre a pequena selva de plantas domesticadas. e tem os telhados. várias formas. algumas cores. dependendo, é claro, da conveniência econômica de cada morador. e tamos buscando ver pra onde vamos agora pra tarde. enquanto isso observo tudo o que vai me passando pela minha máquina-retina de fotos. mas também tem o que escutar. tem um determinado tipo de silêncio que é ofuscado por um tal djavan que sabe cantar suas próprias canções. baita mar do lado esquerdo. marolinhas que dão pra ver do sétimo andar desta ladeira. a moça acabou o banho. agora sentada pro mar. e claro, seu telefone de recados. quem será que ligou? futucar de dedos. uma quase paisagem se formando como nova fotografia. e aqui pra dentro um rotular de imagens que não se acabam. duplicam vontades pra saber o que mais será pra frente. o que será que a moça está pensando com o seu balançar de cabeça? será a música um código pra ela se deixar levar pra outros lugares? que lugar é este que habito neste momento?

07 abril 2006

sobre os bichos da casa

esses bichos que habitam o quintal e a parte interna da casa se fazem quase como crianças. quase crianças! dá pra olhar para os olhos da bicharada e ver neles qualquer coisas de indivíduo. suas parecências e diferenças. seus traquejos com a linguagem. suas metáforas corporais. seus engates de charme e beleza. eita bichos que sabem como dizer as coisas! são 3 três cachorros e um gata. duas fêmeas e dois machos. o equilíbrio perfeito. mais que perfeito. servem, não como distração, mas como a própria atração das intenções caninas e felina, num corre-corre infinito. chegam pra quase abraçar. lambidas e cheiros. odor de cachorro. de gata. esses bichos se fazem importantes, porque sabem o que representam. cada um se reconhece como fazedor de um pedaço daqui. os bichos desta casa sabem tudo dela. não existem segredos. pulam janela. desarrumam o sofá. atacam o meu sono. despenteiam camila. e sabem mais. sabem chegar. são conquistadores! esse bichos sabem da gente. cuidam também. certa vez um deles se colocou, mansamente, entre nós num momento de crise conjugal. foi o fim dela. são quase amuletos. não nos censuram. admitem nossas vergonhas. nossas tritezas. e ainda nos lambem. nos esperam. esses bichos sabem mais da gente do que nós mesmos. são as feras da casa! não se aproximem, pois eles podem fazer com que vocês nunca mais os esqueçam. como já disse, são conquistadores! sabem da linguagem do charme. se utilizam disso como tática pra ganhar cada vez mais um espaço dentro da casa! dois já conseguiram! acho que isso é a verdadeira revolução dos bichos. chegam devagar. vão tomando pedaço a pedaço sem que nos demos conta. vejam, já tem chicão (um cão) dormindo na sala. e tarsila (a gata) no seu trono acolchoado. mas sabe de uma coisa? o que me fala mais deles não é companhia que nos fazem, mas a própria beleza do discurso de cada um. cada um com suas interpretações de mundo, e nós, pelo menos eu, criando interpretações a respeito dessas criaturas que são mais uma alegria de convivência e aprendizado, do que uma relação assimétrica e esquemática entre seres vivos.


dessa loucura por traços
a invenção deles é motivo de busca por sentidos
e também a sua falta

de uma escrita de 1997

costumava escrever mais aos amigos. era desejo de estar mais perto. sondando os avisos que pudessem me dar sobre o que passava com eles. o que havia passado também comigo. escrevia cartas, poesias postadas. às vezes toda semana uma carta. mas também foi o período do meu "exílio" em curitiba. cidade que nunca fiz parte. espaço sempre provisório. aos poucos as cartas e seus recados foram rareando em vontades de permanecer atento ao que me acontecia. aos poucos fui me deixando menos escrevinhador de amigos. depois descobri a internet! bela descoberta. possibilidade de escrita instantânea. chegar mais perto. traduzir pra agora aquilo que me passa. mas o caso é que estou querendo mostrar algo que escrevi há tempos atrás, e que acabei não enviando para um desses amigos. agora o faço para desobstruir um pouco mais das saudades que se somam por aqui.
Estão indo pra vocês
cores sem forma
ou fôrma
cores em liberdade
de formas
e que convém
serem escritas
com palavras, e serem
ditas ao silêncio.
cores de liberdade.
formas em liberdade.
e a vida como força de liberdade.
a liberdade do vento.
a mesma liberdade sem asas.
mas o desenho parece estar preso ao papel.
porém, já se esvai na imaginação.
o desenho em movimento,
mas que segue lento
ao tormento do pensamento.
o desenho pede vento
que sopre suas linhas
para mudar de posição,
mas o vento não entende o pedido.
e o desenho perece
como aquela memória sem quase memória.
e toda memória é sem cor,
sem forma ou desenho.
a memória é um sentimento
que fornece saudade pra um tanto de cor.

dezembro, 1997

06 abril 2006

saidera de rumo


mais que se adiantam pra querer falar nada. nem esta expressão. nem esta cara de quem não se culpa. pelo contrário, apenas adianta o desespero da loucara do ritmo do cotidiano-coração. menos vale dizer o que se pensa. menos vale o encontro das palavras certas. aquelas que são funcionais ao trato da objetividade. mas qual iniciativa de tudo isto aqui? o que não quer esconder mais, que sempre pedem pra achar que sabem mais do esconderijo de coisas. não existem dela! não insista por elas, não existem! que se inflame com a curiosidade do receio de estar sendo enganada! quanta bobagem. mal sabe o que vê! sim, sei que as explicações nunca foram o forte deste caráter, mas bem sei pra que vim. e ainda assim, a explicação se complica anexada a uma grande parte de erros passados. sim, passados. não existem mais, por mais que insista em lembrar. não existem! aliás, convenhamos, quem sabe mais daqui do que eu? o ponto onde estou dá pra ver melhor. é interior. mas vale ser dito que o maldito, infeliz comentário feito horas atrás nada te entrega. é refúgio de um medo de perder as estribeiras diante de um ontem cheio de más explicações. mas que coisa, não?! eu aqui, dando novas e metafóricas explicações. mas que danado que sou! que sujeito mais cheio de mangas e cartas. que jogador! não estou blefando. daqui me assito mais calmo e sagrado das escolhas que faço. meio arrombado, é certo. mas cheio de vontade pra mais tarde, quem sabe, cair nos encantos teus de todos o dias. quem sabe arrumemos melhor nossas caras incrédulas diante de nós, e partemos para as mensagens trocadas de ontem à noite, e hoje pela manhã?! pois tudo isso é uma grande bobagem!

carta do eu principiante



minha cara dura leva pra mim a vontade do eu ser mais que uma caixa de informações. mais que qualquer divã de psicanalista. o eu daqui não se auto-analisa. nem se penitencia sobre os verbos contados numa gramática tosca. a intenção é mera vontade de exposição. o avanço das idéias, que por acaso aqui podem acontecer, figuram como ritmo da intensidade dos devaneios cotidianos. é vontade de ensaiar. vontade de teatralizar a palavra sem que haja palco necessário de mostrações. os erros serão cometidos. e bem cometidos, por sinal. pois não me furto a esse direito! toda a incerteza é valida como condição para o sabor que a existência nos expõe. não que erre propositalmente, mas é interessante do erro, pois é nele que me faço mais perto de mim. mais posso ser eu mesmo. mais posso me criticar. posso me ver sem falsas idéias ao meu respeito. erro, e pronto. admito que qualquer dúvida que esteja em mim é parte de mim. não costumo comprá-las, elas são de graça. e por isso, só por isso, caio na rede das minhas próprias contradições. me examino. me espio. mas sem condenação prévia. não acuso palavras mal escritas. elas são o que são. muitas vezes sem o esforço necessário para a erudição. pois digo que não sou afeito a tal endereço. quero mais a exposição pelo chão das coisas. por elas mesmas. mas sem redução. e tudo mais é invenção pra que as coisas fiquem mais suaves, mais pesadas, mais fincadas, mais no couro, talvez na penumbra. quem sabe de mim sabe que o dito aqui é mera vontade de saltar meu espírito pro finito de mim.